O episódio oito da segunda temporada, além de levar June e
Serena a se juntarem para salvar o bebê de Janine, se aprofunda em temas já
pincelados por The Handmaid’s Tale na dualidade entre resistir ou ser cúmplice
de Gilead. Questões como essas já dividem pessoas no mundo real, onde alguns
veem a cultura dominante como moralmente repugnante, enquanto uma minoria ou
faz parte, ou apoia.
Essa distinção sempre assombrou a série, mas Lillie, a
segunda Ofglen, quando explodiu a bomba no Centro Rachel e Lia, foi a faísca
para um aprofundamento dessas questões nessa temporada. Ofglen foi uma
revolucionária, seu sacrifício foi um ato extremo de Resistência. Isso deve
fazer o espectador se perguntar quanto a Offred, ela é uma reformista, uma revolucionária
ou uma personagem simplesmente desesperada lutando por si só? Ela apenas tenta
sobreviver ou faz parte da Resistência tendo propósitos maiores? Mas... Numa
sociedade tão cruel como Gilead, existe uma justificativa moral para qualquer
medida de cumplicidade?
É Emily, a primeira Ofglen, que força Offred a agir por sua
consciência, de June, no episódio desta semana, intitulado Women's Work - aliás,
pedir replay de This Woman's Work é demais? No mercado, Janine revela que seu
novo comandante não abusa dela fora da Cerimônia, ao contrário de seu
comandante anterior, o Comandante Warren, que foi punido depois da revelação que
ele abusava de Janine. “Ser estuprada não é uma bênção”, interrompe Emily. Ela
acrescenta: “A verdadeira bênção foi aquela bomba”. Para Emily qualquer um que
ajude Gilead merece ser explodido. As palavras dela abalam Offred.
De repente, Offred vê o trabalho que ela e Serena vêm
fazendo na ausência de Fred sob uma nova luz. O que parecia ser um ato
subversivo e sagaz de autopreservação na cena de abertura do episódio - no qual
as duas escrevem e editam documentos em nome de Fred - agora parece mais cumplicidade
com Gilead. Uma esposa e sua aia agindo como aliadas para exercer poder dentro
da nova república e, no processo, retornando ao trabalho intelectual que ambos
uma vez tiveram, soa transgressor. Mas para todas as outras aias e mulheres
oprimidas ao seu redor, isso é invisível. Offred, mesmo que involuntariamente,
estaria colaborando com o regime que a oprime e humilha tanto.
Foi esperançoso ver o destaque de Janine em Women's Work,
oferecendo uma variação poderosa nos temas de resistência e cumplicidade do
episódio. Embora ela sempre tenha tido um espírito explosivo, foi a separação
de sua filha, Charlotte - ou Angela, como Warren e Naomi a denominaram - , que
quase a levou a tirar a vida dela junto com a bebê. Como não lembrar da difícil
cena de quando ela pulou de uma ponte na temporada passada. Offred acreditava
que estava ajudando, tentando fazer Janine desistir de tirar a vida. É evidente
que a alternativa - o trabalho duro nas Colônias, com possibilidade nula de ver
sua filha novamente - se mostrou pior. Janine por pouco não teve uma morte mais
lenta e dolorosa do que teria na água.
Pelo menos Offred salvou Charlotte. Mas eis outra questão questionável
que revolucionárias como Offred ou Emily poderiam colocar: será que seria bom salvar
a vida de um bebê em Gilead? Esta é uma nação onde a única ameaça visível ao
regime totalitário (até o bombardeio) é uma taxa de natalidade catastroficamente
baixa. Para todas as sociedades, as crianças representam a sobrevivência do seu
modo de vida. A diferença é que aqui, se famílias poderosas não produzem
descendentes suficientes, Gilead poderia simplesmente desaparecer.
Quando Charlotte adoece, sua doença potencialmente fatal é
outro lembrete de que salvar um bebê pode ser um ato de cumplicidade. É Offred
quem finalmente diz a Janine que a vida de sua filha está em perigo e que
convence Tia Lydia a deixá-la ver a criança. Em uma enfermaria - digna do filme Boo (2005), Offred,
Janine, Lydia, Serena e os pais de Charlotte esperam para ver se uma das
melhores obstetras do mundo - que agora é uma Martha - pode ajudar. Ela não consegue, mas aparentemente passar uma noite nos braços de sua amada mãe biológica
faz bem a criança, ela sobrevive.
Embora ambas tendam a colocar seus próprios interesses em
primeiro lugar, Offred e Serena agem com bravura e altruísmo neste episódio.
Serena desafia explicitamente Waterford ao convocar a médica. "Eu fiz isso
para a criança", explica ela quando ele a confronta. “Que maior responsabilidade
existe em Gilead?” Waterford pode pensar em uma delas: “Obedecer seu marido”,
diz ele. Então ele a castiga dando cintadas em nome de Deus com Offred assistindo.
Este espetáculo não é exatamente o mesmo que as Cerimônias, mas parece
conectado a elas. Em ambos os casos, uma mulher é levada a testemunhar a
humilhação e o sofrimento de outra mulher. A tremedeira e pulos do espectador em cada cintada de Fred, bem como nossa falta de intervenção nos
torna cúmplices.
Para Serena, a crueldade de Waterford é um choque, para o espectador
isso não deveria ser nenhuma surpresa, embora seja torturante. Ela não está
apenas reagindo à dor física quando olha para suas feridas no espelho e chora. Está
finalmente caindo em si que sua lealdade não é para ela própria - ou mesmo para
as causas do cristianismo e do repovoamento humano que supostamente guiaram sua
contribuição na criação de Gilead. Waterford, que era muitas vezes enquadrado
como um ideólogo de cara legal na primeira temporada, é na verdade um homem inseguro
cuja lealdade a Gilead aparentemente decorre de uma compulsão para dominar sua
esposa intelectualmente superior. Então, até onde isso influencia Serena?
Em sua última cena do episódio, Offred lembra: “Alguém disse
uma vez: 'Os homens temem que as mulheres riam deles. As mulheres temem que os
homens as matem.'” Essa é uma piada interna: a citação foi amplamente
referenciada a Margaret Atwood. Infelizmente, é também um momento de obviedade
em um episódio marcado por sua nuance filosófica. Qualquer um que tenha passado
dos 18 episódios da série The Handmaid's Tale e que ainda precise ser informado
de que Gilead é uma reação exagerada e assassina à liberdade das mulheres de
rejeitar e ofuscar os homens, sem dúvida deve estar vendo errado. A linha de
pensamento de Offred também faz de Atwood uma personagem do universo televisivo
de Margaret Atwood, esse desenvolvimento introduz algum tipo de ruptura no todo
deste.
Mas o que Offred confessa a si mesma é um verdadeiro avanço.
"Eu pensei que ainda haviam lugares secretos escondidos nas fendas e
fendas deste mundo", diz ela. “Lugares de que poderíamos fazer bonitos,
pacíficos, tranquilos, seguros ou pelo menos suportáveis.” Agora ela percebe
que estava se iludindo. Offred está começando a pensar estrategicamente como uma revolucionária,
mas ela tem o que é preciso para se tornar uma? Pense, pois ainda temos cinco
episódios para a segunda temporada de THT acabar e a season finale promete
muito!