O nascimento é o evento que dá início a vida. É o ato mais humano que todos nós um dia já passamos. O episódio "Birth Day" foi moldado em torno da complexidade e delicadeza do ato de dar à luz, mesmo que nesse universo perverso. 

Se antes não estavam claras as intenções de Ofglen, nesse episódio tudo foi estabelecido. Sua relação com June se aprimorou durante suas caminhadas até o mercado por meio de suas conversas disfarçadas. Descobrimos coisas muito importantes, como a existência de um "Nós" que Ofglen diz fazer parte. Não há mais informação do que isso, mas o "nós" de Ofglen é suficiente para June entender que existe uma resistência. É interessante saber sobre a existência de pessoas que escolhem lutar contra o sistema fortemente estabelecido. Não nos foi ofertado muitos detalhes, porém já é uma fagulha de esperança para o espectador, ou para o leitor do livro - e claro - para June.

Uma das coisas mais interessantes sobre a criação do universo em The Handmaid’s Tale é a forma como nos são passadas as informações de forma orgânica sem cair na exposição gratuita. Em um pequeno diálogo entre as duas aias descobrimos mais sobre o passado de Ofglen. Seu nome é Emily, ela é homossexual e professora universitária de biologia celular. Também descobrimos que professores são enviados para as Colônias - uma espécie de purgatório para pessoas transgressoras do sistema -, o que nos mostra como o sistema manipulatório de Gilead é eficaz, eles se livram daqueles que podem oferecer um pensamento racional, deixando todos em uma grande massa de ignorância.

Ao decorrer do episódio é possível notar como June muda sua posição em relação a Emily. No episódio anterior vimos June despejar insultos em seu monólogo interno para com a mesma. É compreensível, ambas, até então, não haviam tido uma conversa real além do verso ensaiado por Gilead. Não se pode confiar nas aias, elas andam em duplas para que uma possa vigiar a outra, então nunca se sabe com quem realmente pode se falar abertamente. Gilead faz um ótimo trabalho em mantê-las separadas.

Nesse episódio temos uma June mais ousada, mesmo que em dosagens certeiras. June havia dito no último episódio que estava determinada a sobreviver e é palpável ao telespectador essa mudança na personagem. Temos uma cena em que June acaba de chegar em casa e está retirando suas botas na presença de Nick. Propositalmente June levanta sua veste dando ao homem um pequeno vislumbre de suas pernas, isso dura por mais tempo do que realmente a tarefa demanda e Nick percebe que June está a testá-lo. Aos poucos a inconformação de June está se desenvolvendo em pequenas ações que transpassam sua rebeldia contida, rebeldia esta que é vista como petulância por seus superiores. 

Uma das melhores cenas do episódio aconteceu enquanto as aias e as Esposas estavam esperando a filha de Janine nascer. Serena Joy é fria, calculista e parece ter uma implicância particular com June, então foi impagável ver o descontentamento em sua face quando a aia aceitou o macaron que outra Esposa lhe ofereceu. A série, até mais que o livro, se mostrou muito apegada aos detalhes, então é palpável que os atos de rebeldia de June também sejam assim. Aceitar o biscoito foi uma ofensa para Serena, a aia deveria apenas entrar, responder o que lhe foi perguntado e fazer o que foi perguntado - apenas existir. Logo em seguida temos a cena de June cuspindo o biscoito e isso só nos dá a certeza de que o gosto do doce nem se compara com o gosto azedo que June fez Serena sentir.

Como dito antes, o nascimento é um evento que permeia esse episódio. Aos poucos somos introduzidos aos rituais de Gilead e dessa vez pudemos testemunhar como eles lidam com o ato de dar à luz. Sabe-se que as mulheres têm ficado cada vez mais estéreis e, portanto, as aias, que são mulheres férteis, carregam os filhos. O nascimento em Gilead tem importância primordial para o sistema, pois indica que os planos deles estão funcionando e quanto mais pessoas saudáveis nascerem dentro desse sistema, mais estabilizado ele se torna.

Já havíamos visto no episódio anterior que Janine estava na fase final de sua gravidez. Agora testemunhamos seu parto. As cenas na bela mansão onde ela vive são ingratamente belas. A série estabilizou pelas mãos de Reed Morano - diretora dos três primeiros episódios da série - um padrão estético que é sublime. As cores são muito importantes e ajudam a contar a história. Nas cenas do parto de Janine a cor que predomina é o branco. A sala é muito bem iluminada e a cor realça e vermelho das aias e também serve para simbolizar a paz e a inocência do ato de dar à luz. Todo o desenvolver da cena é emocionante. Tia Lydia se mostra extremamente tocada e as aias estão ali para amparar a mãe.

Ao mesmo tempo que acompanhamos o parto de Janine, somos apresentados ao parto da própria June quando teve Hannah através de flashbacks. A cena trabalha na discrepância entre as duas situações. June teve sua filha no mundo pré-Gilead onde a mesma ainda possuía acesso ao hospital e a cuidados médicos. Janine precisou passar por uma situação bem mais complicada e retrógrada, mas no fim das contas, as duas situações nos levam ao mesmo resultado: vida. É interessante notar que o parto em casa, desprovido dos cuidados hospitalares é também uma interpretação bíblica, a parte humanizada é preconizada, onde o nascimento deve estar rodeado de vida, as aias, tias e Esposas.

Durante todo o episódio June passou em conflito com o convite do Comandante, ele a convidou para o escritório, onde nem mesmo Serena pode entrar. Ela recorre até a Emily em busca de uma solução para a situação. O medo dela é compreensível, ainda mais quando June sabe que existe um Olho na sua casa. Nós compartilhamos da mesma aflição da personagem. O que Fred quer com ela? Será que ela fez alguma coisa errada? June vai ser penalizada? No fim a resposta é muito mais simples do que poderíamos imaginar: O Comandante apenas queria jogar um jogo de tabuleiro, uma companhia.

Ficou claro ali que ele queria se aproximar da aia longe da Cerimônia e criou a situação perfeita para isso. É interessante ver a forma como, aos poucos, June se deixa levar a começa a aproveitar o jogo. Sua rotina parece ser tão entediante que até mesmo um simplório Scrabble oferece a ela a maior diversão do mundo naquele momento. Não acontece muito mais do que isso, os dois apenas jogam, porém são nos detalhes sutis que se deve prestar atenção. Os dois flertam pela troca de olhares.

Ao fim do episódio temos uma June determinada ao som de "Don't You Forget About Me", ela tem uma informação útil para dar a Ofglen. É animador ver June parecer até mesmo reluzente por um instante.

Pena que não dura muito. "Você me reconhecerá?", indaga o verso da música, perfeitamente temporizado com a sequência da cena.

A surpresa de June reflete a nossa própria surpresa quando ela descobre que Ofglen não é mais Emily. Agora que as coisas pareciam estar indo bem, tudo desmorona. O perigo parece vir de todo lugar com um final sufocante, "Eu sou Ofglen."