Antes de começarmos uma análise da capa do premiado livro O Conto da Aia de Margaret Atwood, é necessário informar que existem três versões de capa para o livro no Brasil, a primeira de quando os direitos de distribuição do livro eram da Editora Marco Zero, a segunda quando foi para a Editora Rocco e a terceira, quando o livro foi relançado em junho de 2017 por causa da estreia da série. A análise é da capa mais recente, do artista Laurindo Feliciano.

Primeira capa (Editora Marco Zero)

Segunda capa (Editora Rocco)

Terceira capa (Editora Rocco/2017)
A capa é o primeiro contato que temos com o livro, ela tende a nos chamar atenção e resume o que vamos encontrar no interior, aqui a interpretaremos sob um olhar de quem já leu o livro. A capa produzida por Laurindo é repleta de branco, sépia e vermelho.

O vermelho e o branco cobrem uma aia que é destaque na capa, provavelmente Offred, apenas mãos e parte do rosto aparecem.

Tudo, exceto a touca ao redor do meu rosto é vermelho: a cor do sangue que nos define

O vermelho das aias remete diretamente à Maria Madalena, importante personagem de passagens Bíblicas. No contexto humano, vermelho simboliza a chama do desejo, a excitação sexual e o amor. Na religião é a cor do pecado e que simboliza o diabo. Na política, vermelho está associado ao desejo revolucionário. Em todos os casos é possível se relacionar o significado da roupa no livro, a posição das aias em Gilead e seu espírito revolucionário.

Um contorno da cabeça (de uma aia) limita o que há em tons de sépia em torno da aia. A aia segura uma cruz em chamas, aludindo ao espírito rebelde das aias contra Gilead no livro. Aos pés, também há uma serpente, seria a mesma que Deus enviou para tentar Eva? Na mitologia, a serpente sempre foi colocada como símbolo de pecado e traição, é possível associá-la tanto ao desvirtuo das ais perante as imposições de Gilead, como as traições cometidas por justamente quem fez as leis, como Comandantes e Esposas.

Ao fundo, ainda limitada pelo contorno, uma parede de tijolos à vista. Aqui pode ser tanto a parede descrita por Offred onde rebeldes mortos são expostos, como uma simples parede das fartas casas de Comandantes onde as aias são designadas.

Entre a aia e a parede, ainda uma árvore (provavelmente conífera) com um passarinho sobre ela. É a recuperação da natureza pela qual Gilead tanto se gaba.

Em conversa pelo Instagram com Laurindo Feliciano, que assina as capas de Atwood no Brasil, ele nos contou sobre o processo criativo, "A livre interpretação e conexões de quem vê um trabalho meu é uma das partes mais interessantes do processo". Diretamente sobre os livros de Margaret Atwood, o artista disse: "Quando a Rocco me chamou para ilustrar o catálogo da Atwood a ideia central era justamente essa, de não ser tão óbvio e direto, de não dar spoiler nas capas."

Com todos esses elementos, a Editora Rocco foi de contramão às demais editoras ao redor do mundo, que optaram por reciclar a capa canadense com Elisabeth Moss da Vintage Books. A versão de Laurindo é uma importante releitura do livro que condiz com a época que a distopia do livro se passa, mas que mais ainda, perpassa gerações, que veem o livro e percebem a bagunça trágica que é Gilead.