Com algumas exceções, os livros são melhores que os filmes. Mas a TV está mudando isso com um novo tipo de adaptação: séries com qualidade de cinema que permitem aos escritores o tempo e o espaço necessários para desenvolver personagens totalmente realizados. Quando os roteiristas condensam um romance em um filme de duas horas, algo fica para trás, mas com 10 episódios de TV (e temporadas subsequentes), há uma oportunidade de não apenas fazer justiça à história original, mas inovar.

Isso pode ser visto na adaptação em série de The Handmaid's Tale, baseada no romance de Margaret Atwood. Na série, a personagem Emily/Ofglen (interpretada por Alexis Bledel) tem uma história que não está escrita no livro. As omissões do livro tornam-na mais misteriosa, deixando os leitores tirarem suas próprias conclusões, enquanto os acréscimos da série nos fazem sentir-se mais conectados à sua luta.

O livro

No romance de Atwood, só encontramos Emily através de suas interações com June; tudo fora disso é incognoscível. Sua vida antes e depois de Gilead são espaços em branco, e ela não chega no Centro Vermelho ao mesmo tempo em que June está com as outras aias, então fica isolada como uma ilha.

Emily é mencionada pela primeira vez no capítulo quatro, quando June descreve o ritual de compras e o modo como Gilead mantém a segurança sob controle, colocando-as aos pares. June foi colocada na casa do comandante Waterford por um breve período, talvez quatro ou cinco semanas, neste momento. Isto é o que ela tem a dizer em seu primeiro encontro com Emily:

"Os olhos dela são castanhos. O nome dela é Ofglen, e é tudo o que eu sei sobre ela. Ela anda recatada, cabeça baixa, mãos enluvadas de vermelho na frente. Essa mulher tem sido minha parceira por duas semanas. Eu não sei o que aconteceu com a anterior. Em um certo dia ela simplesmente não estava mais lá, e outra esta estava lá em seu lugar. Não é o tipo de coisa que você faz perguntas, porque as respostas geralmente não são respostas que você quer ouvir. De qualquer forma, não haveria uma resposta."

Esta citação ilustra como é fácil para uma aia se perder no sistema de Gilead, já que as identidades são ainda mais rigidamente controladas no livro do que na série. Nunca conhecemos o nome verdadeiro de Ofglen e o de Offred no livro. O que sabemos é que havia uma Ofglen antes daquela que conhecemos... E haverá outra depois.


No início, Offred desconfia de Ofglen, mas apenas porque ela interpreta o papel que foi forçada a representar. Nesse sentido, Offred critica Ofglen porque ela reflete sua própria aquiescência. Ambas estão se curvando a seus opressores e se ressentem mutuamente por isso. "Ela faz essas coisas para parecer do bem, eu acho. Ela quer fazer o melhor possível. Mas é assim que eu devo parecer para ela. Como poderia ser diferente?"

Muito mais tarde no livro, Ofglen se abre para Offred. Nós logo descobrimos que ela é membro da Resistência do Mayday e alguém que Offred pode confiar. Ofglen tenta recrutar Offred pedindo para ela encontrar e compartilhar informações sobre o Comandante Waterford. Mas Offred tornou-se passiva e complacente devido ao seu caso com Nick - ela não quer arriscar o que ela tem com ele, e a ideia de se envolver a deixa assustada. De certa forma, o modo de vida de Gilead torna-se parte de si, assim como Tia Lydia prometera que aconteceria.

Offred é sacudida de sua complacência em um lembrete da brutalidade de Gilead. Nesta cena, Tia Lydia acusa um homem de estupro e diz às aias que sua pena é a morte por participação. Ofglen se entrega como membro da Resistência, correndo para chutar o homem acusado muito antes que as outras aias possam chegar perto. Atordoada por essa demonstração de violência, Offred pergunta por que ela fez o que fez, e Ofglen explica que o homem não era um estuprador, mas sim um membro do Mayday. Ela queria poupá-lo de uma morte lenta e torturante, deixando-o inconsciente antes que as outras aias pudessem distingui-lo.

No próximo capítulo, a apenas algumas páginas do final do livro, Ofglen desapareceu. Offred sai para encontrar Ofglen para uma saída de compras e ela encontra uma substituta. Quando Offred pergunta a esta estranha o que aconteceu com Ofglen, a nova aia diz: "Eu sou Ofglen". 

Offred tem esses pensamentos finais sobre ela: "Palavra perfeita. É claro que ela é a nova, e Ofglen, onde quer que ela esteja, não é mais Ofglen. Eu nunca soube o nome real dela. É assim que você pode se perder, em um mar de nomes. Não será fácil encontrá-la agora."

Então, quando Offred e a nova aia estão concluindo sua saída compras, ela conta a Offred que a velha Ofglen estragou seu disfarce durante o ataque ao suposto homem estuprador, e quando ela ouviu a van preta vindo atrás dela, ela se matou em vez de enfrentar a tortura e revelar os nomes de seus companheiros do Mayday.

A série de TV

Na primeira temporada da série do Hulu, soubemos que o nome real de Ofglen é Emily e ela ensinava biologia celular em uma universidade. Ela também revela que é gay e que sua esposa e filho foram capazes de fugir para o Canadá em segurança, o que é comprovado na segunda temporada. A maioria dos traidoras do gênero são enviados para as Colônias, mas Emily foi poupada, ao menos por um tempo, porque ela tem dois ovários em atividade e ainda pode ter filhos. Não muito tempo depois que ela revela sua verdadeira identidade para Offred, Ofglen é substituída por outra aia, como ela foi pega tendo um caso com outra mulher é levada a julgamento. Ofglen é sentenciada a redenção, o que significa que ela pode viver, mas é forçada a sofrer mutilação genital para evitar que ela deseje o que não pode ter.

Em entrevista ao The Hollywood Reporter, Bruce Miller, produtor da série, disse o seguinte sobre as mudanças que fez na personagem de Ofglen:

"Ela está na história e ela simplesmente desaparece. Eu estava interessado em ver como seria para uma mulhe... Quando uma sociedade deixou de ser um país próspero e moderno para uma teocracia da noite para o dia e o que aconteceu com... O criminoso. É tão estranho para nós ver isso acontecer a um americano, ou o que nós consideramos um americano. Veja todos os direitos que temos. Uma das maneiras de reconhecer isso é tirá-los de nós."

Quando perguntado por que ele escolheu Emily como o nome de Ofglen, ele disse que sua inspiração veio de Emily Brontë: "Eu sempre gostei de como a poderosa Emily Brontë era".