Ah, fevereiro... Aquele mês que todos os brasileiros esperam. Tem uns que reclamam dizendo que o país não vai pra frente assim, mas todos nós, povo sofrido que somos merecemos um descanso, não é? Cada um curte da maneira como quiser. Uns maratonam séries (The Handmaid’s Tale é a melhor pedida), outros livros, outro jogam, outros dormem e outros vão curtir nos blocos, festas e dar vazão às crianças interiores e podendo ser outras pessoas através das fantasias. Porque carnaval sem fantasia, ah, não é aqueeeeeeeeele carnaval.

Mas e quando a fantasia representa algo pavoroso? Ela é válida?

Acredito que todos os que acompanham nosso querido site sabem do que The Handmaid’s Tale se trata e também tem conhecimento que as roupas e suas cores tem papel fundamental na divisão e utilidade dos membros daquela sociedade que parece tão distante, mas não está tão longe assim.

A indumentária da Aia vem tomando conta de vários protestos em relação a atos que vão contra os direitos humanos, em marchas das Mulheres como teve no começo do mês nos Estados Unidos, aqui no Brasil mesmo, em vários protestos também vemos frases do livro e da série sendo usadas como palavras de ordem, para evitar uma situação que não queremos viver. 

Entretanto, existe alguma diferença em se vestir como Aia em um protesto e em uma festa? Do ponto de vista da obviedade sim por causa da função e do significado da roupa. A indumentária tem uma simbologia que usando da semiótica, se envia uma mensagem.

Contudo... e na festa? Em um momento de diversão é possível se fantasiar de algo sofrível? Existe uma intenção justa por trás? A questão da fantasia é muito debatida entre grupos minoritários que se sentem extremamente desrespeitados com o uso de suas características como um instrumento de deboche. 

Lembremos que as fantasias e a ocasião do carnaval faz com que brinquemos com tudo. A ideia é se divertir. E não há nada errado em se divertir, mas não podemos esquecer que nem tudo é engraçado e pode ser divertido. 

A vestimenta da Aia apareceu em uma festa de carnaval e dividiu opiniões porque os fantasiados eram homens. 

“Ah, mas é carnaval. Por que eles não podem se fantasiar. É uma homenagem.”

Será que é? Muitas mulheres reclamaram dessa homenagem justamente por se identificarem tanto com o universo do Conto da Aia, por ele estar a apenas um fio de cabelo de acontecer e vem um grupo de homens que de acordo com esse mesmo universo são os perpetradores das atrocidades e se vestem como o grupo oprimido. 

Por outro lado, vários homens se manifestaram dizendo que se identificaram com a série, que se identificam com o feminino, considerando o universo heteronormativo e como a série é maravilhosa decidiram homenagear. Que não tem nada de mais em se vestir divulgando seu seriado favorito. Mesmo que esse seriado seja plenamente baseado na opressão masculina sobre o feminino e relegando o papel de reprodutoras para as mulheres. 

Homenagens sempre são bem vindas, contudo, nesse contexto ela foi homenagem mesmo?

Se existem grupos oprimidos que não querem que sua dor vire fantasia considerando a imensidão desse universo que é composto de coisas que possam ser fantasia, é possível se fantasiar, o vilão, a figura vilanesca do universo retratado se vestir como a vítima, isso é uma homenagem válida?

O que podíamos pensar se fosse um grupo de mulheres fantasiadas naquele mesmo contexto? Mulheres de Aia em pleno carnaval? É a dor de muitas sendo exposta. Isso é fácil de entender. 

Será que é fácil para nós nos sentirmos homenageadas por homens que se vestem como Aias? Será que conseguiremos ver essas homenagens como uma tentativa de Nicks ou ainda seremos todas assombradas por Freds? 

Fica o questionamento.

- Coluna "Mulher" em The Handmaid's Tale Brasil, por Renata Dias. As opiniões da colunista não necessariamente refletem a opinião do site.