Não podiam mais gerenciar as próprias finanças. As casadas legalmente tiveram seu dinheiro transferido automaticamente para o marido, as solteiras ou desviantes do gênero (lésbicas) tiveram seu dinheiro transferido para o homem mais próximo, filho, amigo, pai, irmão.

Qualquer ser do sexo masculino era mais apto a gerenciar renda do que a pessoa que trabalhava por aquele dinheiro. As mulheres não podiam mais possuir bens.

Logo depois dessa medida, todas as mulheres foram demitidas de seus empregos. Instantaneamente foram proibidas de trabalhar. Enquanto June, surpresa e alertada por Moira, reclama com Luke, ela tem a impressão que ele a está infantilizando, enquanto ela entra em uma espiral paranoica, esse pensamento dela tem muito sentido.

Você não sabe como é, eu disse. Sinto como se tivessem cortado meus pés.[...]
  
É só um emprego, disse ele, tentando me acalmar.

Imagino que você vá receber todo o meu dinheiro, disse. E não estou sequer morta. Eu estava tentando fazer uma brincadeira, mas saiu como um comentário macabro.

Calma, disse ele. Ainda estava ajoelhado. Você sabe que eu cuidarei de você. E eu pensei, ele já está começando a me tratar como criança. Depois pensei, você está ficando paranóica.”

Luke inconscientemente ou não,não se incomoda com a anulação financeira da companheira e disse que iria cuidar dela. Que ele seria responsável pelas finanças dela. Uma situação de completa dependência. Ela se sente paralisada e ele não consegue ter empatia pela situação, algo o qual aparentemente ele estava esperando, como se fosse um papel a cumprir. Prover. E quem pode prover? Aquele que é independente.

Alguém com dependências não consegue prover com eficiência. O provedor é aquele que detém todo o poder, desde as necessidades básicas até os luxos. Ele tem a renda, ele tem o poder de escolha e a possibilidade de posse. O direito de possuir.

Provedor..é uma palavra que ultimamente anda aparecendo muito, junto com o homem provedor da família.  Podemos extrair várias ideias desse conjunto de palavras….que só o homem podem sustentar, prover, que a mulher não é vista como provedora, no máximo uma manufatureira da alimentação, e se a mulher não provê, ela não possui, ela é mais uma das posses que são alimentadas pelo provedor.

Não podemos esquecer do sistema econômico que rege o planeta, o capitalismo. Aquele que compra a nossa força de trabalho pelo menor valor possível e ainda nos incentiva ao extremo consumismo.

Contudo, não podemos negar que também precisamos consumir alimentos, necessidade básica nº1 e se você é proibida de trabalhar, de possuir, suas necessidades básicas passam a ser prejudicadas e é onde as situações de subsistência começam.

Apesar de não ser assumido e declarado, sabe-se que funções com predominância feminina possuem menores salários e menor valorização profissional quando comparados com outras funções, como se fosse uma conspiração para que a independência financeira nunca fosse plena, que sempre precisasse de uma ajuda para se firmar.

Claramente toda a ajuda é necessária, contudo não esqueçamos o que uma mulher em posição de vulnerabilidade econômica sofre.

O primeiro golpe para transformar as mulheres em meras parideiras no universo de Gilead foi retirar sua possibilidade de subsistência e colocá-las em uma posição de dependência TOTAL E ABSOLUTA.

Será que é possível fazer um contraponto com a vida real? Com o mercado de trabalho real?

Pensemos!


- Coluna "Mulher" em The Handmaid's Tale Brasil, por Renata Dias. As opiniões da colunista não necessariamente refletem a opinião do site.