Belas, obedientes e solícitas, as esposas de The Handmaid's Tale compõe parte importante da sociedade, participando das cerimônias e controlando as casas em que vivem. Essa obediência é a marca delas, mas porque elas se submetem assim?

A Woman's Place, o nome do sexto episódio da primeira temporada e também do livro da controversa Serena, define muito bem o papel da esposa em Gilead. Aquela que deve pacientemente aguardar seu marido, cuidar da casa e garantir que a aia conceba o seu filho, para enfim se tornar plena com seu papel maternal. Nada de sair para trabalhar ou estudar, já que essas perversões poderiam facilmente perverter os "verdadeiros valores". Esse pensamento possuí raízes que se refletem tanto na República de Gilead, quanto no mundo real, já que essa corrente do feminismo doméstico, tão praticado pelas esposas, mantém elas fiéis a esse sistema. Entretanto, esse não é o único motivo, a crença religiosa, as motivações pessoais e a ilusão de poder também corroboram para manter esse quadro. 

Apesar disso, o que diz esse "feminismo" difundido por Serena que as mantém acorrentadas? 

Para começar a entender essa participação é preciso fazer uma retomada histórica na Era Vitoriana com umas das porta vozes do feminismo doméstico, Charlotte Elizabeth Tonna's. A escritora da época da revolução industrial era contra que as mulheres estivessem saindo de casa para trabalhar e por consequência deixando de lado o papel doméstico e muitas vezes submisso. Em seu livro como The Wrongs of Woman e no conto Helen Fleetwood, ela mostrava as consequências desse "abandono". 

E são todas essas semelhanças que nos levam de volta para The Handmaid's Tale, já que assim como Charlotte, Serena também utilizou dessas ideias para basear Gilead, já que um dos problemas que levou era o fato das mulheres deixarem de lado uma vida maternal para ir em busca dos seus próprios desejos. Portanto é nesse contexto que as pessoas se encaixam, os abusos que elas sofrem (e infringem) são aceitados pela mesma em busca de um bem maior. 

Em contraponto, muitas delas parecem estar ali não porque realmente acreditam nessa tese, mas pelos mais diversos motivos pessoais. Esse último por exemplo, é o caso de Serena. Antes de Gilead ela já era religiosa, contudo, possuía voz e assim como June e as outras ela possuía e aproveitava de uma liberdade. Porém, mesmo assim aceitou a ajudar a construir Gilead, tendo que abdicar de tudo que tinha. Tudo isso por um motivo, seu egoísmo em desejar ser mãe.

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Todavia ela não é a única seguir essa perspectiva, já que outras parecem estar ali pelo comodismo que a posição oferece. Além dos luxos, é claro.

Por outro lado, a religião também parece ter a capacidade de colaborar para essa aceitação, o que novamente nos aproxima do mundo real. Os Filhos de Jacó, seguem a Bíblia em uma interpretação literal e distorcida, mas que parece bastar para muita daquelas mulheres. Esse é o pilar que parece acalentar e justificar as atrocidades, assim como nas cruzadas usaram a falsa motivação santa ou a escravidão que também usaram a mesma justificativa. Genialmente, The Handmaid's Tale remonta essas características, como uma explicação moral para cerimônia e toda a tomada de direitos femininos.

Além disso, o fato da posição delas ser cômoda é essencial, já que elas possuem algo raro para as mulheres em The Handmaid's Tale, poder. Mesmo que em doses homeopáticas elas podem exercer a opressão que sofrem em outras mulheres. E já que em sociedades como essa o sonho do oprimido é ser o opressor, pelo menos por enquanto essa ilusão de poder as mantém ali. 

E é nesse ponto que podemos encontrar um problema. Até quando essa ilusão de poder pode ser suficiente? 

É claro em cenas da segunda temporada que aos poucos elas vão se descobrindo tão subpessoas quanto as aias ou as Marthas e é aí que reside a faísca. 

Seriam as esposas, a resistência que Gillead precisa experimentar?